15 de outubro de 2012

Planilha (de meados de 2002)

O homem é um animal muito engraçado. Falo “homem”, mas me refiro à espécie homo sapiens. Sim, claro que a parcela masculina desse bizarro ser é deveras intrigante, mas as fêmeas também tem seus caprichos e esquisitices. Vale lembrar, também, que esquisitices não são, necessariamente algo negativo - muito menos pejorativo. É a definição da espécie; somos todos esquisitos. Fazemos planos absurdos, traçamos resoluções de ano novo, ensaiamos na frente do espelho o que dizer pra pessoa amada - ou odiada-, inventamos desculpas absurdas para chefes, etc. Porém, o caso que venho tratar é de um homo sapiens, masculino, jovem e cheio de resoluções de ano novo, mês novo, semana nova, dia novo...


Desde criança, calculava tudo: quanto dinheiro iria gastar por dia na cantina do colégio, quantas horas iria ficar com os colegas da rua jogando bola e até quantas horas precisaria pra terminar aquele jogo do Mega Drive. Era visto como chato, perfeccionista e metódico (coisa que foi muito importante profissionalmente, mas deixa isso pro futuro). Crianças crescem e outras ambições surgem. Queria fazer Medicina ou Direito, mas isso demandaria muito mais tempo de estudo para o temido vestibular - e consequente sacrifício do tempo de lazer. Por isso, acabou decidindo estudar coisas que gostava mais: artes, música, algo de esportes e o que mais gostava de fazer: calcular coisas. E continuava otimizando seu tempo, sempre que possível.


A vida adulta chegava e a cada ano que passava sempre se lembrava daquelas paixões infantis e adolescentes, nas quais via lampejos do que dizia ser a mulher perfeita na vida dele. Sempre buscou o tipo que ele diria ser o certo, mas zombavam. “Essa mulher não existe, cara... é uma busca sem fim! Vai acabar sendo um velho sozinho e amargurado, vai por mim”. Essas palavras sempre pesaram na sua cabeça mas desistir nunca foi uma opção. Claro, não era sozinho: tinha seus romances, uns namoros ditos por ele próprio como frustrados e algumas relações de curtíssimo prazo. Mas a vida seguia, isto não o incomodava e, ainda assim, nunca havia desistido da busca.


Tinha relativo sucesso pessoal e profissional, trabalhava com o que mais amava e vivia feliz. Se bem que “feliz” é um termo cheio de interpretações. Por várias vezes, entre amigos, os questionava se achavam que ele era feliz. Uns diziam que era, outros não podiam opinar e outros apostavam todas as fichas, dizendo que não era. Mas ele sorria, imparcial com a democracia caótica que instaurara. Era feliz? Talvez. Mas, se fosse, era de uma forma incompleta. Faltava aquele sonho de criança que via nos casais felizes e nos filmes bonitinhos que dizia achar “coisa de mulher”.
Acreditava que a busca um dia acabaria, mesmo, com fé (na busca, não em um “deus”). Acreditava ser capaz de achar aquela moça que ele sempre imaginava. Ela não tinha feições, mas era dotada de uma beleza ímpar. Sonhava com essa mulher genérica, com as qualidades que ele procurava: cuidando dos filhos, indo às reuniões de família e sendo felizes juntos. Os amigos e parentes iam casando, tomando seu rumo e todos perguntavam onde estava a “princesa das fantasias” dele. “Tá lá, cara... só esperando eu descobrir o caminho do castelo dela”. Fazia piada e via o lado mais engraçado de tudo, sempre. Mas as perguntas o faziam pensar se essa mulher realmente existia.

Mas desistir não era opção. Um dia ele a encontrará. Ela vai ser linda, doce, gentil. Vai ter seu lado mulherão também, claro! Vai ser a pessoa do jeito que ele calculou, do jeito que ele sempre viu fragmentos da mulher certa pra ele em outras mulheres. Não é uma mulher perfeita, ainda mais porque, como ele mesmo diz, “perfeição é um saco” e o temperamento dele jamais permitiria tudo ser perfeito. Mas vai ser a mulher que ele vai amar de um jeito que nunca amou ou amará outra mulher na vida. Terão filhos, serão felizes e viverão. Assim, no plural, como ele sempre calculou.

3 comentários:

  1. Adorei! Parabéns. Um texto que me fez sorrir até o fim. Beijos!

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  2. Parece que eu vi você na minha frente falando tudo que tá escrito aí. Aliás, excelente texto. Saudades seu "tongo". Beijos

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  3. "Acreditava que a busca um dia acabaria, mesmo, com fé (na busca, não em um “deus”)." Porra, falou e disse.Eu também acredito que se temos um ideal, seja ele qual for jamais devemos desistir...mesmo que tudo ao redor pareça não fazer sentido, valores não são itens de moda que são casualmente comercializados, é isso aí...mantenha fé nos princípios. O que é nosso está guardado.
    Lindo texto. Parabéns.

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