18 de março de 2013

Rastros

É difícil pro mais turrão dos homens assumir certas coisas. Como aquela memória específica que enche seus olhos de lágrimas ou aquele rancorzinho cretino que insiste em se manter apoiado num orgulho idiota. Homem tem dessas, de querer passar por cima das coisas como se nada de errado tivesse acontecido. Mas homem de verdade sente. E sente, principalmente, falta.

Sente falta daquele tempo despreocupado de quando era criança e sua maior obrigação era descer a rua pra jogar bola. Tá, às vezes era mandatório ganhar da rua rival. Também sente falta daquela paixãozinha besta de colégio, de quem ele lembra até hoje o nome, o rosto, cabelo. Sente falta de ser chamado para as festinhas que consistiam em correr alucinadamente e beber litros de refrigerante - que, à época, nem era tão vilão assim da dieta infantil.

Sente falta daquele frio na barriga da mudança grande na vida. Gente nova, experiências diferentes, amigos que duraram o tempo necessário pra se tornarem lembrados sempre em algumas conversas específicas. Sente falta de um grande amigo, que não falava, não entendia o que ele dizia, mas tudo parecia fazer mais sentido com aquelas horas de conversas e caminhadas pelas ruas.

Sente falta daquele prévio da fase adulta escrita do avesso. De pegar uma guitarra ou um violão e conseguir transmitir o que se passava na cabeça naquele momento. De ter amigos em várias "tribos" (puta merda, como eu odeio essa palavra), lição importantíssima que carrega até os dias de hoje. Tem também a falta daquela sensação engraçada de ter finalmente beijado a garota que tanto gostava. E ter sido retribuído, o ápice naqueles tempos.

Sente falta de tomar decisões que mudariam o curso da vida pra todo o sempre. Pro bem ou pro mal. De ter o primeiro término de namoro e aquela sensação esquisita de gritar "Liberdade!" feito William Wallace. Da primeira tragada "adulta" num cigarro, sem tossir e acendendo de primeira, pra espanto de quem assistia à cena como se fosse uma revolução na sociedade. Daquele primeiro soco em forma de porre, que serviu muito bem pra estabelecerem limites - nem sempre tão respeitados assim.

Sente falta de ter dito pra aquelas pessoas queridas que ele as ama muito, mas por algum motivo esquisito, falar "eu te amo" virou obstáculo e não uma forma de externar um sentimento bonito. E sente falta dessas pessoas, por nunca mais ter a oportunidade de vê-las. Também sente falta das mães secundárias, chamadas de avós, tias (mesmo sem nenhum grau de parentesco) ou carinhosamente por um apelido no diminutivo. Sente falta daquele grande amor, de quem se afastou por medo, receio ou alguma esquisitice cerebral. Sente falta de não saber que tinha uma esquisitice cerebral ou qualquer outro tipo de problema, também.

Só não sente falta de quando não tinha coragem de expressar a falta que sempre sentia.

3 comentários:

  1. E Pellicanos..que sons fazem...

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  2. Infelizmente faz parte da vida da gente perder, deixar ir e sentir falta.

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  3. Comecei a te seguir no twitter pq fisicamente vc se parece com uma pessoa que amei muito. E agora, lendo seu texto... vc se expressa de uma maneira tão incrível que chega a doer. Não vou me identificar pq não tem nada a ver, mas você tá de parabéns. Pelo texto e por tudo.

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